Feliz Ano Novo

Não era a minha menina que vinha em minha direção naquela noite, sem, contudo parecer me ver. Num decotado vestido verde de alças, tinha os pés descalços e trazia nas mãos pequenas as um par de sandálias prateadas, andando como se desfilasse enquanto desviava das massas de gente, das garrafas vazias e das oferendas à Iemanjá.

Não era. Apesar de parecer, tinha cabelos maiores e mais claros do que aquele tom vermelho, quase roxo, de ondas mais definidas do que aquelas, tantas vezes escondidas em um rabo-de-cavalo.

Ainda sob o êxtase dos fogos que estouravam até poucos minutos, eu me flagrava buscando semelhanças e diferenças entre aquela quase estranha e alguém que, um dia, havia feito parte da minha vida. A grossura das coxas, a maquiagem nos olhos, os grandes brincos dourados de argola – e não aqueles de pena, artesanais. Algumas coisas batiam, outras não. Algumas lembravam. Mas as diferenças… essas, eram substanciais.

Me distraí enquanto reclamava, em resmungos, do perfume involuntário conseguido às custas de um banho de espumante barato dado como cortesia por um casal de idosos postados ao meu lado. Quando voltei os olhos, ela havia sumido por entre aquela profusão de cabeças.

Procurei meu telefone na esperança de ligar e perguntar àquela menina de outros tempos como iam as coisas, por onde andava, como iam os seus familiares. Bobagem! Seria inútil tentar conversar em meio aquelas vozes confusas, alegres, esperançosas e bêbadas. Seria inútil tentar ligar quando todas as companhias telefônicas do mundo decidem não dar conta do serviço. Seria inútil tentar ligar para alguém cujo nome não constava na agenda telefônica há no mínimo três anos.

Lá estava eu, longe de casa, longe dos poucos amigos, fugindo, ao menos por alguns dias, das obrigações de trabalho, família e qualquer convívio em sociedade. Lá estava eu, tentando ser alguém sem nome e sem história, me escondendo a 300 quilômetros de casa, e agora pensando ver fantasmas.

Passando a analisar alguns dos muitos rostos na esperança e no temor de ver outros traços conhecidos, sequer notei que a cerveja em minhas mãos esquentava, tornando-se intragável.

Tenso como tentava fingir não ser, pensei em acender um cigarro, mesmo depois de tanto tempo sem fumar. Pedir um trago estava fora de cogitação. Comprar um maço seria me render. Apenas cuspi, levei as mãos trêmulas ao bolso e suspirei resignado.

A primeira madrugada seguia. Certo de que aquela estranha não havia passado de uma alucinação – uma entre muitas, tão forte quanto aquelas que eu buscava ignorar, apesar de inédita em seu conteúdo – decidi por voltar à pousada e dormir até o início da tarde.

Acabei de abrir a porta do carro quando tive a impressão de estar sendo observado.
Mal tive tempo de me virar. Lá estava ela, há três passos de mim, sorrindo sem graça e falando alguma coisa sobre coincidência, como-tem-passado e um algo mais que não pôde ser ouvido depois que a porta se fechou e a ignição foi dada.

Aquela não era minha menina, ainda que me reconhecesse. Não era, ainda que pudesse ter o mesmo nome, a mesma data de nascimento, o mesmo dna. Não era, embora houvesse sido um dia, há não tanto tempo atrás.

~ por Jorge Wagner em janeiro 11, 2010.

3 Respostas to “Feliz Ano Novo”

  1. Gostei da sacada no final…. vc tem que escrever um livro!

  2. É, bem assim mesmo.
    No fim, ninguém é de ninguém pra sempre. Nem “é”.

  3. rá, ou você repara demais no mundo (leia-se mulheres e afins), ou é dos poucos que escrevem minúcias sobre. e bem. diga-se de passagem. por isso que, em meio a tudo, seu blog chamou a atenção, gostei!

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